quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Como não amar Simone de Beauvoir?



Era março de 2013 e eu procurava um tema ligado a literatura estrangeira para o trabalho de conclusão de curso, havia em mente uma ideia fixa: trabalhar com a mulher na literatura. Durante a pesquisa me deparei com muitas escritoras interessantes e de diferentes épocas, cada uma com a sua influência na literatura e nas gerações. Entrentanto, uma me chamou a atenção por sua competência e ousadia: Simone de Beauvoir. Em nosso TCC (foi realizado em grupo) fizemos uma análise sobre a estética existencialista, a trajetória de Simone de Beauvoir e a sua inflûencia na sociedade desde a época até os dias de hoje, além do estudo comparativo de suas obras e aplicação da filosofia existencialista através delas. Beauvoir, foi além dos limites impostos às mulheres na sociedade da qual fazia parte, escreveu excelentes romances metafísicos onde podemos encontrar os traços do existencialismo do qual ela não somente ilustrou, mas também influenciou de forma direta e indireta, ensaios, artigos de revistas, entre outros, dos quais destacam-se os romances: A Convidada (seu livro de estréia), Os Mandarins e O Sangue dos Outros. Porém, o Obra que deu maior notoriedade à escritora são os dois volumes de O Segundo Sexo, publicado em 1949 e dividido em "Fatos e mitos" no primeiro volume, onde traz uma reflexão sobre os fatos e mitos que condicionam a situação da mulher na sociedade e "A experiência vivida" no segundo volume, que apresenta uma análise sobre a condição feminina nas esferas psicológicas, sexual, política e social, ambos encontram-se esgotados e podem ser adquiridos apenas através de sebos e a valores consideravelmente altos. Após a publicação de O Segundo Sexo, Simone foi considerada uma escritora feminista e sua obra é ainda hoje considerada uma das mais importantes para o movimento feminista, o que pouco se comenta é que a principio a escritora rejeitou o título de feminista, pois não concordava totalmente com as ideias do movimento na época. Apenas 23 anos após a publicação de seu mais importante ensaio é que Simone de Beauvoir se declarou de fato feminista, chegando inclusive a assinar um documento no qual relatava ter feito um aborto em defesa do direito das mulheres ao aborto seguro e gratuito e de métodos contraceptivos eficazes ao alçance de todaxs, sendo que na realidade a escritora nunca esteve grávida. Essa foi uma (não muito) breve introdução sobre os motivos que me levaram a estudar Simone de Beauvoir. Segue abaixo a trajetória da escritora, construída através da leitura de suas obras autobiográficas.

A trajetória de Simone de Beauvoir


Simone de Beauvoir, escritora francesa, nascida no ano de 1908 em Paris e filha de uma família burguesa em decadência, contribuiu influenciando o pensamento da corrente filosófica denominada Existencialismo -corrente esta que defende a ideia de que a existência precede a essência, sendo o ser humano proveniente de suas próprias escolhas. Os pensamentos de Simone eram influenciados por Soren Kierkegaard e Heidegger, grandes filósofos existencialistas a quem Simone dedicou boa parte da vida em leituras desses autores.
     
Para que se compreenda o pensamento de Simone é preciso retornar à sua infância, quando vivia com seus pais Georges Bertrand de Beauvoir, um advogado em tempo integral e ator amador, e Françoise Brasseur, uma jovem mulher de Verdun. Beauvoir foi uma criança atraente e mimada e já demonstrava uma personalidade forte:

“(...) Tinha caprichos, desobedecia simplesmente pelo prazer de desobedecer. Nas fotografias de família eu mostro a língua, viro as costas e em torno de mim os outros riem. Essas pequenas vitórias animaram-me a não considerar insuperáveis as regras, os ritos, a rotina; constituem as raízes de certo otimismo que devia sobreviver a todos os processos de domação.”
 (BEAUVOIR, 1958, pp. 18)
                                                                                Simone de Beauvoir na infância.

     As diferenças entre as personalidades dos pais são citadas por Simone com um ingrediente no qual ela acredita ser inclusive, uma das razões pela qual tenha se tornado uma intelectual, conforme o trecho a seguir:


“Minha situação familiar lembrava a de meu pai; ele se encontrara mal assentado entre o ceticismo desenvolto de meu avô e a seriedade burguesa de minha avó. No meu caso também, o individualismo de papai e sua ética profana contrastam com a severa moral tradicionalista que mamãe me ensinava. Esse desequilíbrio que me impelia à contestação explica em grande parte que tenha me tornado uma intelectual”
 (BEAUVOIR , 1958,pp. 45)

     A influência de seu pai foi além dos ensinamentos repassados durante a infância, sendo dele a responsabilidade de haver influenciado Simone na opção de prosseguir com dedicação aos estudos. Costumava dizer às suas filhas:

“‘Vocês, meninas, não casarão’, repetia amiúde. ‘Vocês não tem dote, precisarão trabalhar ‘”  (BEAUVOIR,1958,pp. 106)

     Beauvoir sempre esteve consciente de que seu pai esperava ter um filho, ao invés de duas filhas. Ele afirmava que Simone pensava como um homem, o que lhe agradava muito e desde muito jovem ela distinguiu-se nos estudos. No Curso Désir, primeira escola que frequentou, desenvolveu um grande amor pela aprendizagem e foi uma aluna exemplar. Foi também nesse curso, nos anos finais, que Beauvoir foi apresentada à Filosofia. Por ser um curso de fundamentação basicamente católica, típico das escolas para garotas no inicio do século XX, o contato restringiu-se aos autores clássicos e as noções gerais. Georges de Beauvoir passou seu amor pelo teatro e pela literatura para sua filha. Ele ficou convencido de que somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza. Poupette, sua irmã, tornou-se uma pintora.
     Apesar da forte influência religiosa da mãe exercida durante a infância, aos poucos Simone foi abandonando a crença em Deus, à medida que não achava respostas aceitáveis aos seus questionamentos, de modo que na adolescência declarou incrédula na existência divina, ainda que já tivesse até mesmo cogitado a possibilidade de ser freira:

  “O que havia de embaraçoso era que Deus proibia muitas coisas, mas não exigia nada de positivo, a não ser algumas orações, algumas práticas que não modificavam o curso dos dias. (...) No fundo, os que acreditavam e os que não acreditavam levavam quase a mesma essência. Persuadi-me dia a dia mais de que, no mundo profano, não havia lugar para a vida sobrenatural”
(BEAUVOIR, 1958,. pp. 77)

     É interessante observar que Simone, através de seus questionamentos, possuía um senso crítico apurado, que não era muito comum às mulheres naquela época, sobretudo na idade em que se encontrava. Antes mesmo de chegar à vida adulta, conhecia as diferenças de classes e tinha suas opiniões formadas a respeito:

“Toda a minha educação me assegurava que a virtude e a cultura contam mais do que a fortuna: meus gostos induziam-me a acreditá-lo. (...) Os miseráveis, os moleques, eu os considerava excluídos da sociedade; mas também os príncipes e os militares acham-se insólita afastava-os dele.”
(BEAUVOIR, 1958, pp. 77)

Simone, sua mãe Françoise e Hélène, sua irmã mais nova

Não obstante a influência de seu âmbito familiar e seu senso crítico a respeito da sociedade na qual vivia, Simone obteve também a influência de seu primeiro relacionamento afetivo, com Jacques Champigneulle, com quem a família esperava que ela se casasse e o que, no entanto, não ocorreu. Embora poucas vezes citado em suas memórias, essa relação foi de grande importância à vida de Simone:

“Encarava Jacques como uma espécie de irmão. Ajudava-me a fazer minhas traduções latinas, criticava a escolha de minhas leituras, dizia-me versos. Uma tarde à sacada recitou-me La Tristesse d´Olympio e eu me lembrei com uma dorzinha no coração de que tínhamos sido noivos. (...)”
(BEAUVOIR, 1958, pp. 123)

     Outro fato que influenciou na vida de Simone, foi a perda precoce de sua grande amiga Elizabeth Le Coin, conhecida como Zazá. Grande parte de sua mudança e ideologia teve influência de Zazá. Segundo a autora, foi através da amiga que ela escolheu não casar-se e nem ser freira. Zazá tinha pensamentos críticos aos valores burgueses e repudiava os comportamentos da sociedade. Falava o que pensava para quem o quisesse ouvir. Coisas que Simone também pensava, mas não tinha coragem de dizer em voz alta. O trecho a seguir relata o sentimento que permeou Simone após a perda da amiga:

“Juntas havíamos lutado contra o destino lamacento que nos espreitava e pensei durante muito tempo que pagara minha liberdade com sua morte”
(BEAUVOIR,1958, pp. 368)


     Finalmente, seu encontro com Sartre ocorreu durante a faculdade. Simone relata em suas memórias o sentimento de identificação que teve ao conhecê-lo melhor, sentimento esse que se assemelha a um amor desejado aos quinze anos. Segundo ela, via nele alguém cuja até mesmo as manias eram semelhantes:

“Sartre correspondia exatamente aos meus sonhos de quinze anos: era o duplo, em quem eu encontrava, elevadas ao extremo, todas as minhas manias. Com ele, poderia sempre tudo partilhar. Quando o deixei, em princípio de agosto [de 1929], sabia que nunca mais ele sairia da minha vida.”
 (BEAUVOIR, 1958,pp. 345)

     O sentimento de Simone para com Sartre era recíproco; na obra “Diário de uma guerra estranha”, o autor comenta sobre a relação de ambos:

Apenas minhas relações com Castor* escapam ao absurdo da morte porque elas são perfeitas e, em cada instante, tudo o que elas podem ser. Minha única expectativa é que elas continuem indefinidamente.      
(SARTRE, 1976. pp.46)

                                                                                              Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre

Desenvolveu-se a partir de então uma relação que durou por toda a vida. Simone passou a ser carinhosamente chamada de Castor por Sartre, esse apelido não dado por ele, na verdade foi seu amigo Maheu. O motivo era a semelhança do sobrenome Beauvoir com a palavra Beaver, castor em inglês, e porque Simone era trabalhadora como um castor. Em vários livros do autor lê-se na dedicatória: “Ao Castor”. 


     Caminharam lado a lado, dedicando um ao outro muito mais do que sentimentos, mas também conhecimento, viagens, estudos e livros, numa relação aberta na qual o único compromisso de ambos era com a liberdade e havia espaço para relações paralelas, entre elas uma de grande relevância que teve com o escritor norte-americano Nelson Algren. Essa parceria durou até o final da vida de Sartre, como consta na última obra de Simone: “A Cerimônia do Adeus”; obra narra os dez últimos anos de vida de Sartre e o desenvolvimento de sua doença, que o levou a cegueira total. Trata-se de uma obra extensa e de grande valor sentimental. Ainda no prefácio, Simone anuncia que esse será seu último livro:

“Eis aqui meu primeiro livro - o único certamente - que você não leu antes que o imprimissem. Embora todo dedicado a você, ele já não lhe concerne. “
(BEAUVOIR, 1982, prefácio)
         
               Após a morte de Sartre, Simone viveu ainda durante seis anos, porém muito debilitada devido a uma pneumonia adquirida durante a degeneração da saúde de seu companheiro, época em que descuidou-se absolutamente de sua saúde por conta da doença que ele enfrentava. Simone e Sartre encontram-se enterrados no mesmo túmulo, como não haveria de ser diferente após terem compartilhado toda a vida.

                                Túmulo onde Simone e Sartre estão sepultados.

A trajetória de Simone ainda muito mais extensa e interessante do que vimos até aqui, há ainda muito o que abordar, como o envolvimento direto com o feminismo, sua visita ao Brasil, entre outros assuntos de um material cuja fonte é inesgotável.


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