sexta-feira, 28 de março de 2014

A menina do sorriso bonito (e toda a dor por trás)

Veio do nada, uma ideia de trocar sua foto  de perfil pela de uma pessoa morta ou desaparecida por causa do regime militar. Entre tantas histórias, fotos e revelações tristes, me deparo com um sorriso, um sorriso que me paralisa. Era o sorriso de uma menina bonita, não exatamente pela beleza física, mas pela beleza daquelxs que lutam sem nunca perderem a doçura. Fiquei muito curiosa com esse sorriso, parecia uma pessoa feliz. Então, comecei a pesquisar tudo o que pudesse estar além dessa imagem.  

                                                                   Maria Lucia Petit - divulgação

   A menina linda do sorriso bonito tem nome: Maria Lucia Petit. Maria, como era conhecida pelos companheiros, era professora primária, dedicava-se ao ensino para crianças nas regiões rurais e contava 22 anos quando foi vista pela última vez com vida. O que Leva uma jovem professora a abdicar de “suas crianças” e entregar-se à Guerrilha do Araguaia, senão o sonho de ajudar a construir uma sociedade melhor, mais igualitária e livre?

   Infelizmente a guerrilha não teve o apoio das massas e por essa razão muita gente perdeu sua vida. O regime “comprou” o apoio de alguns proprietários de terras ao redor dos acampamentos, por uma quantia miserável entregavam onde os “paulistas” estavam escondidos.
Voltando ao sorriso de Maria Lucia, esse foi apagado de forma covarde. Existia um camponês, o qual a professora considerava amigo/aliado, esse “amigo” contribuía com mantimentos e itens de primeira necessidade ao acampamento. Acompanhada de outros dois companheiros, Maria Lucia foi ao encontro dele para, como de costume, buscar alguns produtos. No entanto, tratava-se de uma emboscada, o próprio amigo (até então de confiança) desferiu-lhe dois tiros: um no quadril (que a fez cair de joelhos) e outro no peito, matando-a instantaneamente.
   Era o fim de uma vida, da vida de uma jovem professora, de uma filha, de uma militante, de uma mulher. Os militares envolveram seu corpo em uma paraquedas e enterraram em Xambioá, no Tocantins. Lá, o corpo de Maria Lucia permaneceu por muitos anos, até ser encontrado em 1991 e finalmente reconhecido e enterrado em 1996. Maria só tinha 22 anos.

   Indo mais adiante, essa história é ainda mais triste. Maria Lucia era antes de tudo, mais uma dos irmãos Petit da Silva, a família era constantemente vigiada pelos órgãos de espionagem da ditadura desde 1969. Seus irmãos, Jaime e Lucio, tiveram o mesmo fim que Maria Lucia. “A minha família foi dizimada” disse Laura Petit a respeito do que o regime militar fez com seus irmãos. Durante muitos anos a mãe aguardava o retorno dos filhos, acreditava que estariam presos em algum lugar ou exilados fora do Brasil e sem condições de se comunicar, essa espera durou a vida inteira no caso de Jaime e Lucio. Maria Lucia só teve seus restos mortais reconhecidos devido a uma matéria do jornal O Globo , em 1996, que trazia fotos (entregues anonimamente por um militar) de guerrilheiros mortos e sem identificação, a família Petit reconheceu a professora, a foto trazia detalhes idênticos aos da ossada encontrada em Xambioá (no ano de 1991) e foi encaminhada ao Departamento de Medicina Legal da Unicamp. Maria Lucia agora está enterrada em Bauru, já seus irmãos não tiveram seus restos mortais encontrados até hoje.



                                                                                       Jaime Petit - divulgação

                                                                              Lucio Petit - divulgação

   Essa é apenas uma das muitas histórias dessas pessoas que entregaram suas vidas à luta por igualdade social e liberdade.

Companheira Maria Lucia Petit, presente!

Irmãos Petit, presente!

52 anos do GOLPE militar
52 anos da VERGONHA MILITAR



Fontes:

Para exaltar a raiva:

"Onde fica o desespero
De quem ainda procura
Abra os seus arquivos
Covardes militares!"




quinta-feira, 6 de março de 2014

Somos todxs Marias

"Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta" (Milton Nascimento)


                                                                                                           trabalhadoras mineiras 

Maria Elis Regina, Maria Nara Leão, Maria Ana Carolina e até mesmo Maria Milton Nascimento. Se somos todas e TODOS mulheres, somos todas Marias, mulheres comuns, mulheres operárias e professoras, donas de casa, mães e militantes. 

O Dia das Mulheres tornou-se uma data simbólica repleta de intenções capitalistas para aumentar a venda de produtos femininos, opa, produtos o que? 


Há um equivoco muito grande nessa história toda, há um bom tempo (muito antes de meu nascimento,inclusive) essa data vem sendo destorcida de maneira notória: compra-se um perfume, flores e chocolate para agradar a "sua mulher", como se isso fosse o suficiente para suprir a falta de respeito cotidiana, como por exemplo a louça suja ou o banheiro que ela sempre precisa limpar sozinha... Ou pior ainda: uma lingerie erótica, bem bonita para a "sua mulher usar" ou será que serve para usar a mulher com ela? O ruim não é ganhar presentes, a questão é o que há de intenção nessas atitudes aparentemente tão inocentes, mas que não são.


                                                                                                 propaganda do Veja

Nada mais me irrita do que uma propaganda de produto de limpeza com uma mulher de protagonista, como se a mulher devesse ser sempre a protagonista do serviço doméstico. No caso dessa imagem de cima, é interessante o nome do produto que remete a uma revista tão tosca quanto essa propaganda. Penso o quanto interessante seria uma propaganda desses produtos em que o "papel principal" fosse de um homem que deseja encontrar um produto de qualidade para ajudar a sua companheira/mãe/irmã a limpar a casa, no mínimo simpático. Parece pouca coisa essa observação? Junte ela à várias outras pequenas atitudes machistas de nosso cotidiano e então teremos como resultado essa sociedade patriarcal na qual vivemos em pleno século 21. 

Somos todxs Camilas

"A lembrança do silêncio
Daquelas tardes, daquelas tardes
Da vergonha do espelho

Naquelas marcas, naquelas marcas" (Camila, Camila - Nenhum de Nós)


                                                                                                foto: ilustração/Google
Crescemos ouvindo a frase "Briga entre marido e mulher: ninguém mete a colher" e a mulher seguia sendo humilhada e apanhando diariamente, muitas vezes até a morte. Os filhos assistiam às agressões calados e em alguns casos (sem generalizações) repetiam com suas companheiras o que haviam aprendido com seus pais: o comportamento de um "bom varão" (como eu odeio essa palavra: varão). Essa frase antiga e caduca contribuía com uma cultura na qual práticas violentas eram coisas triviais.

Se tem violência contra a mulher a gente mete a colher SIM! Ou deveria pelo menos, entenda-se violência não apenas física (tapas, chutes, etc.) mas também verbal, humilhação, imposição através de grito, assédio moral, entre outros tipos de opressão. Para isso foram criadas as delegacias da mulher, embora essas não funcionem nos finais de semana e estejam em sua maioria localizadas longes das periferias das cidades. Não obstante foi criada a Lei Maria da Penha, baseada na história real de agressão da Maria da Penha que lutou por mais de vinte anos para ter seu agressor preso, durante esse período de tempo sofreu duas tentativas de assassinato e ficou paraplégica. A Lei 11.340/06 foi implantada em 2006 acabou com a penas pagas com cestas básicas e multas, abrange a violência psicológica e patrimonial e o assédio moral, além da violência física e sexual, é claro. Dessa forma a violência contra a mulher deixaria de ser um crime de menor potencial ofensivo.


Entretanto, existe um abismo gigantesco entre o ideal que essa lei propõe e a prática como ela ocorre, infelizmente muitas mulheres ainda tem medo de denunciar seus agressores, isso ocorre porque em muitos casos o homem nem sequer fica preso e as mulheres não recebem uma proteção da justiça, ficando a mercê de seus agressores que desrespeitam as medidas da lei e procuram suas vitimas para "terminar seu trabalho". Não é preciso ir muito longe no tempo para encontrar casos assim, Elisa Samudio é um deles, nada foi feito mesmo após fazer boletim de ocorrência relatando as ameaças que sofria e consequentemente perdeu sua vida através do feminicídio. E que ninguém ao ler esse texto, venha com argumentos machistas do tipo: "não prestava", "maria chuteira" ou coisas grotescas do tipo, afinal, ela era tão mulher como eu e tinha o direito de sair ou se relacionar com quem bem entendesse, esse argumentos machistas só fazem aumentar os índices de violência à mulher.


Segundo dados divulgados pelo Ipea, em setembro de 2013, os índices de feminicídios estão estimados em um à cada uma hora e meia, no entanto acredito ser esse número ainda maior pois muitos dos casos não chegam sequer às estatísticas. Normalmente as agressões são executadas por seus companheiros ou namorados, pessoas nas quais em algum momento da vida pensaram ser de confiança.

A carne mais barata do mercado


                                                                                              foto: ilustração/Google
"E, apesar de tudo
 Ainda sou a mesma!
 Livre e esguia
 filha eterna de quanta rebeldia 
 me sangrou.
 Mãe-África! (...)" (Presença Africana - Alda Lara)

Entre os dados do Ipea, outra estatística triste é a de que 61% das mulheres que sofrem agressões são negras chegando à óbito, volto a afirmar que não confio totalmente nessas pesquisas devido aos casos que não são elucidados. As agressões sofridas por essas mulheres não são recentes, acontecem desde os tempos da escravidão, quando as escravas além de serem obrigadas a trabalhar com os serviços domésticos pesados e sofrerem diversas humilhações nas mãos das "sinhás", eram ainda forçadas e molestadas sexualmente pelos seus "senhores". Daí o surgimento do termo "mulata", que nada mais é do que uma maneira pejorativa de se referir a mulher negra, mulata vem de mula (animal estéril resultante do cruzamento do jumento com o cavalo) e significa um filho(a) de negros com brancos. E cá entre nós, são horríveis as diversas maneiras de se referir a pessoa negra: "de cor", "escurinha(o)", "moreninha(o)", entre outras que infelizmente nos foram ensinadas, mas precisamos esquecer.


Já que o assunto é preconceito, vale lembrar (ou talvez contar, pra quem não sabe) que existe uma lei criada em 2003 que obriga o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana do Ensino Fundamental até o Médio, a Lei 10.639/03 foi decretada no dia 09 de janeiro de 2003. Mas, afinal conhecemos alguém que tenha tido essas aulas nos Ensino Fundamental e Médio? Nos nossos cursos de licenciatura tão bem conceituados no MEC existe um estudo à respeito? No meu não teve, terminei o curso de Letras sem saber quem era Alda Lara, por exemplo, existem ainda muitos outros autores e autoras de Literatura Africana, mas infelizmente a lei não é aplicada, alias, muita gente nem sabe que ela existe. 

Voltando à mulher negra, ainda hoje ela é escrava. Escrava da sociedade machista que impõe à elas a condição de "Globeleza" como se o samba no pé, a pele negra e os cabelos afro fossem sinônimo se mulher-sensual-simbolo-do-carnaval, qualquer mulher negra sambando e sempre tem alguém (babaca) pra dizer "olha aí a Globeleza" como se todas as negras gostassem disso ou gostassem de sambar. Como se uma mulher branca não pudesse sambar e uma negra dançar balé. Como se nós mulheres gostássemos de ser o cartão postal do carnaval&futebol nesse país onde o turismo sexual e os casos de estupro sobem absurdamente. 




Precisamos nos unir! 


                                                         foto: ilustração/Google


Simone de Beauvoir defendia que o feminismo estava vinculado a luta de classes, a ideia de que devemos lutar por igualdade plena dos gêneros e que essa consciência só estaria vinculada à mulheres de esquerda, comprometidas com a reestruturação de toda a sociedade, uma vez que as mulheres de visão oposta (direita) não teriam grandes interesses em uma reforma social devido ao seu conservadorismo. Existem visões diferente quando o assunto é feminismo, há grupos que acreditam que a revolução feminina deve ser unicamente feito pela mulheres, assim como o socialismo viria através do próprio proletariado, mas esse será assunto para outra postagem.

O importante é que estejamos todas unidas em prol de um bem em comum que é melhorar as condições de vida da mulher na sociedade, são muitas as reivindicações para esse dia tão aclamado no calendário: 8 de março. Não queremos presentes e nem agrados, flores baratas nas saídas dos supermercados e comerciais simpáticos na televisão. 

Queremos respeito e proteção, queremos que nos olhem acima de suas religiões e convicções, que tirem "seus rosários de nossos úteros" e parem de decidir o que fazemos ou não com os nossos corpos baseando-se no que consideram pecado em SUAS religiões. 

Queremos ser livres, vadias e felizes, a liberdade é nossa por DIREITO!

Feliz dia de Lutas das Mulheres!




Seguem minhas fontes de pesquisa: